José Afonso | |
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Monumento em Grândola | |
Informação geral | |
Nome completo | José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos |
Data de nascimento | 2 de Agosto de 1929 |
Origem | Aveiro |
País | Portugal |
Data de morte | 23 de Fevereiro de 1987 |
Gêneros | Música de intervenção |
Página oficial | http://www.aja.pt/ |
VAMPIROS
Numa viagem que fiz a Coimbra apercebi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho, muito em voga nas nossas composições radiofónicas e no nosso music haIl de exportação. Se lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela urgência dos temas tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos talvez fabricar um novo tipo de canção cuja actualidade poderia repercutir-se no espírito narcotizado do público, molestando-lhe a consciência adormecida em vez de o distrair. Foi essa a intenção que orientou a génese de "Vampiros", entidades destinadas ao desempenho duma função essencialmente laxante ao contrário do que poderá supor o ouvinte menos atento. A fauna hiper nutrida de alguns parasitas do sangue alheio serviu de bode espiatório. Descarreguei a bilis e fiz uma canção para servir de pasto às aranhas e às moscas. Casualmente acabou-se-me o dinheiro e fiquei em Pombal com um amigo chamado Pité. A noite apanhou-nos desprevenidos e enregelados num pinhal que me lembrou o do rei e outros ambientes brr herdados do Velho Testamento. José Afonso
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (Aveiro, 2 de Agosto de 1929 — Setúbal, 23 de Fevereiro de 1987), mais conhecido por José Afonso ou Zeca Afonso, foi um cantor e compositor português.
Não obstante o seu trabalho com o fado de Coimbra e a música tradicional, vulgo folkportuguês, realiza também as célebres actuações no TEP (Teatro Experimental do Porto) com Adriano Correia de Oliveira entre outros. José Afonso ficou indelevelmente associado pelo imaginário coletivo à música de intervenção, através da qual criticava o Estado Novo, regime de ditadura vigente em Portugal entre 1933 e 1974 e depois mais tarde o regime instaurado em Portugal depois do 25 de abril de 1974.
Biografia
Foi criado pela tia Gé e pelo tio Xico, numa casa situada no Largo das Cinco Bicas, em Aveiro, até aos 3 anos (1932), altura em que foi viver com os pais e irmãos, que estavam em Angolahavia 2 anos.
A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente africano que se reflectirá pela sua vida fora. As trovoadas, os grandes rios atravessados em jangadas, a floresta esconderam-lhe a realidade colonial. Só anos mais tarde saberá o quão amarga é essa sociedade, moldada por influências do apartheid.
Em 1937, volta para Aveiro onde é recebido por tias do lado materno, mas parte no mesmo ano para Moçambique, onde se reencontra com os pais e irmãos em Lourenço Marques (agora Maputo), com quem viverá pela última vez até 1938, data em que vai viver com o tio Filomeno, emBelmonte.
O tio Filomeno era, na altura, presidente da câmara de Belmonte. Lá, completou a instrução primária e viveu o ambiente mais profundo doSalazarismo, de que seu tio era fervoso admirador. Ele era pró-franquista e pró-hitleriano e levou-o a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. «Foi o ano mais desgraçado da minha vida», confidenciou Zeca.
Zeca Afonso vai para Coimbra em 1940 e começa a cantar por volta do quinto ano no Liceu D. João III. Os tradicionalistas reconheciam-no como um bicho que canta bem. Inicia-se em serenatas e canta em «festarolas de aldeia». O fado de Coimbra, lírico e tradicional, era principalmente interpretado por si.
Os meios sociais miseráveis do Porto, no Bairro do Barredo, inspiraram-lhe para a sua balada «Menino do Bairro Negro». Em 1958, José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra". Grava também, mais tarde, "Os Vampiros" que, juntamente com "Trova do Vento que Passa" (um poema de Manuel Alegre, musicado e cantado por Adriano Correia de Oliveira) se torna um dos símbolos de resistência antifascista da época. Foi neste período (1958-1959) professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.
Em 1964, parte novamente para Moçambique, onde foi professor de Liceu, desenvolvendo uma intensa actividade anticolonialista o que lhe começa a causar problemas com a polícia políticapela qual será, mais tarde, detido várias vezes.
Quando regressa a Portugal, é colocado como professor em Setúbal, mas, devido ao seu activismo contra o regime, é expulso do ensino e, para sobreviver, dá explicações e grava o seu primeiro álbum, "Baladas e Canções".
Entre 1967 e 1970, Zeca Afonso torna-se um símbolo da resistência democrática. mantém contactos com a LUAR (Liga Unitária de Acção Revolucionária) e o PCP o que lhe custará várias detenções pela PIDE. Continua a cantar e participa, em 1969, no 1º Encontro da "Chanson Portugaise de Combat", em Paris e grava também o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo anagrama Esoj Osnofa em virtude de ser alvo de censura.
Em 1971, edita "Cantigas do Maio", no qual surge "Grândola Vila Morena", que será mais tarde imortalizada como um dos símbolos darevolução de Abril. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP "Eu vou ser como a toupeira". Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum "Venham mais cinco".
Após a Revolução dos Cravos continua a cantar, grava o LP "Coro dos tribunais" e participa em numerosos "cantos livres". A sua intervenção política não pára, tornou-se um admirador do período do PREC e em 1976 apoia Otelo Saraiva de Carvalho na sua candidatura à presidência da república.
Os seus últimos espectáculos decorreram no Coliseu de Lisboa e do Porto, em 1983, quando Zeca Afonso já se encontrava doente. No final desse mesmo ano, é-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa.
Em 1985 é editado o seu último álbum de originais, "Galinhas do Mato", em que, devido ao avançado estado da doença, José Afonso não consegue cantar na totalidade. Devido a isso, o álbum foi completado por: José Mário Branco, Helena Vieira, Fausto e Luís Represas. Em1986, já em fase terminal da sua doença, apoia a candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo à presidência da república.
José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica. Será certamente recordado como um resistente que conseguiu trazer a palavra de protesto antifascista para a música popular portuguesa e também pelas suas outras músicas, de que são exemplo as suas baladas.
Em 1994 é feita um CD duplo em homenagem a José Afonso a que se chamou "Filhos da Madrugada Cantam José Afonso". No fim de Junho seguinte, muitas das bandas portuguesas que integraram o projecto, participaram num concerto que teve lugar no então Estádio José de Alvalade, antecessor do actual Estádio Alvalade XXI.
Em 24 de Abril de 1994 a CeDeCe-Companhia de Dança Contemporanea, estreia no Teatro S. Luiz em Lisboa o Bailado Dançar Zeca Afonsocom música de José Afonso e coreografia de António Rodrigues, uma encomenda Lisboa94-Capital Europeia da Cultura.
Menino do Bairro Negro
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz
Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti
Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
MENINO DO BAIRRO NEGRO
Estilização decente de um refrão indecente recolhido numa parede cheia de sinais cabalísticos, desses que conservam para a posteridade as mais expressivas jóias dos géneros líricos nacionais. A negritude de que fala o poema existe nos estômagos diagnosticados por Josué de Castro no seu livro "Geopolítica da Fome". Os meninos de ouro que habitavam os céus antes do Dilúvio descem à Terra e são condenados pelo tribunal de menores a viverem em habitações palafitas até ao dia do Juízo Final representado por uma bola de cartão que desce, desce até tocar nas montanhas. José Afonso
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